Datas comemorativas podem ser extremamente prejudiciais para a inteligência de leitores desavisados, que aproveitam o momento festivo para ler uma ou outra matéria especial nos jornais diários. Os jornalistas, nessas datas, são acometidos por um lirismo jamais visto, que fariam inveja a qualquer Paulo Coelho. Vide a manchete de 12 de Janeiro de 2008 (Aniversário de Belém), do jornal O Liberal: “Morena em Flor”. Quase ofuscou a fotografia excepcional de Ary Souza, que merecia uma manchete mais digna. Mas o título pouco original nada seria sem a seguinte chamada:
“Belém faz 392 anos inquieta e duvidosa, como uma menina em flor. Dividida entre a riqueza da diversidade e o desafio de problemas crônicos, a cidade se festeja com bolo gigante, fogos, missa e banho de cheiro. Nesta edição, a maior cidade na linha do Equador é visitada por quem a vê com os bons olhos da experiência. Com encanto, sim, mas sem perder o discernimento”.
Além de poeta, o pobre jornalista ainda se acha bom o suficiente para dizer na primeira página do jornal que possui discernimento para traçar um diagnóstico da maior cidade na linha do Equador. Ah, pera lá, quem vai confiar na análise de um cidadão que escolhe o termo “Morena em Flor” para estampar uma capa de jornal?
Como se a manchete principal já não fosse o suficiente para ter vontade de enrolar um peixe no jornal e esquecer que aquele bolo de letras foi feito para ser lido, outra chamada assusta os leitores: “A cidade é cheirosa, moleca e elegante”. Bem ao lado, uma foto nada simpática da cantora Fafá de Belém, “que leva a cidade no nome onde for”, diz o jornal. Bem, se era pra levar o nome da cidade toda noite para a tela da Rede Record, onde passa vergonha como na pele de uma artista circense na novela “Caminhos do Coração”, era melhor trocar de sobrenome mesmo. E se a cidade é cheirosa, é porque ela ainda não passou na Praça do Relógio ou no canal da Tamandaré. Fala sério.
Isso não é nada perto da matéria de capa, que parece ter sido escrita para apaixonar multidões. Em vez disso, só arrancou risos de nossos redatores. O primeiro parágrafo é de arrepiar:
“Belém faz aniversário, ganha bolo de 15 metros, mas não ganha presente. O presente de aniversário de uma cidade nada tem a ver com a sua idade ou seu comportamento social. O presente de uma cidade é sempre uma obra que seus dirigentes oferecem à população, como retribuição à grande quantidade de impostos, taxas e multas que seus moradores pagam ao longo de um ano. Como uma adolescente de quinze anos, descarada e sem princípios morais, a cidade avança na idade e expõe a todos, escancaradamente, seus problemas mais íntimos. Nas suas vísceras, pululam alguns dos germes mais inusitados que uma cidade pode apresentar, e esses germes transformam em infecção crônica as feridas abertas durante o crescimento desordenado”.
Eu não conheço o autor do texto, espero não ter o desprazer de conhecê-lo e me reservo ao direito de não citar o seu nome. Mas não posso deixar de registrar aqui esse texto pavoroso, impregnado de tudo o que há de pior no jornalismo: achismo, presunção, machismo, conservadorismo, lirismo barato, incoerência e falta de originalidade.Morena em flor? Descarada? Sem princípios morais? Eu hein, Belém merecia coisa melhor...
“Belém faz 392 anos inquieta e duvidosa, como uma menina em flor. Dividida entre a riqueza da diversidade e o desafio de problemas crônicos, a cidade se festeja com bolo gigante, fogos, missa e banho de cheiro. Nesta edição, a maior cidade na linha do Equador é visitada por quem a vê com os bons olhos da experiência. Com encanto, sim, mas sem perder o discernimento”.
Além de poeta, o pobre jornalista ainda se acha bom o suficiente para dizer na primeira página do jornal que possui discernimento para traçar um diagnóstico da maior cidade na linha do Equador. Ah, pera lá, quem vai confiar na análise de um cidadão que escolhe o termo “Morena em Flor” para estampar uma capa de jornal?
Como se a manchete principal já não fosse o suficiente para ter vontade de enrolar um peixe no jornal e esquecer que aquele bolo de letras foi feito para ser lido, outra chamada assusta os leitores: “A cidade é cheirosa, moleca e elegante”. Bem ao lado, uma foto nada simpática da cantora Fafá de Belém, “que leva a cidade no nome onde for”, diz o jornal. Bem, se era pra levar o nome da cidade toda noite para a tela da Rede Record, onde passa vergonha como na pele de uma artista circense na novela “Caminhos do Coração”, era melhor trocar de sobrenome mesmo. E se a cidade é cheirosa, é porque ela ainda não passou na Praça do Relógio ou no canal da Tamandaré. Fala sério.
Isso não é nada perto da matéria de capa, que parece ter sido escrita para apaixonar multidões. Em vez disso, só arrancou risos de nossos redatores. O primeiro parágrafo é de arrepiar:
“Belém faz aniversário, ganha bolo de 15 metros, mas não ganha presente. O presente de aniversário de uma cidade nada tem a ver com a sua idade ou seu comportamento social. O presente de uma cidade é sempre uma obra que seus dirigentes oferecem à população, como retribuição à grande quantidade de impostos, taxas e multas que seus moradores pagam ao longo de um ano. Como uma adolescente de quinze anos, descarada e sem princípios morais, a cidade avança na idade e expõe a todos, escancaradamente, seus problemas mais íntimos. Nas suas vísceras, pululam alguns dos germes mais inusitados que uma cidade pode apresentar, e esses germes transformam em infecção crônica as feridas abertas durante o crescimento desordenado”.
Eu não conheço o autor do texto, espero não ter o desprazer de conhecê-lo e me reservo ao direito de não citar o seu nome. Mas não posso deixar de registrar aqui esse texto pavoroso, impregnado de tudo o que há de pior no jornalismo: achismo, presunção, machismo, conservadorismo, lirismo barato, incoerência e falta de originalidade.Morena em flor? Descarada? Sem princípios morais? Eu hein, Belém merecia coisa melhor...
Rodrigo Cruz
2 comentários:
E cá estava eu, fuçando alegremente o orkut alheio (no caso, do ROdrigo), quando achei um link para este blog. Nossa, eu tive que parar para comentar. Adorei a escrita e o tom, e ri por demais. Muito bom mesmo!
=*
adorei o texto, charme!
Deus me dê sempre a noção!
bjs
Izabelle
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